Normalmente,
os fatores que espantam o interesse do jovem pela profissão de professor são
conhecidos (e sentidos) por todos os profissionais da Educação. No entanto,
apesar desses fatores, é possível conseguir realização na carreira, buscando
uma atuação socialmente solidária, sem se esquecer do debate para mudar a
realidade dos sistemas educacionais em funcionamento hoje. Porém, para que a
profissão não sofra um “apagão” e caia em “desuso” por falta de profissionais,
é necessária a reestruturação dos sistemas e também da forma de atrair o jovem
para aceitar os desafios da docência.
De acordo
com a diretora-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, a
atratividade da carreira só será possível com mudanças estruturais que ofereçam
ao professor um salário inicial atraente, a valorização social da profissão e
melhores condições de trabalho. “Os sistemas de ensino, o Ministério da
Educação e o Conselho Nacional de Educação estão se movimentando nesse sentido.
O que incomoda é a vagarosidade, deveria haver um maior sentido de urgência”,
avalia Priscila.
A
diretora explica que, devido ao cansaço típico da docência – tendo em vista a
forma como ela é praticada atualmente no Brasil –, os formados em licenciaturas
ou áreas de disciplinas trabalhadas no ensino básico acabam optando pela
pesquisa ou por outras atividades mais atraentes financeiramente e em termos de
estrutura de trabalho. “Apenas 10% dos concluintes do ensino médio têm
conhecimento adequado para a série em Matemática. Após a licenciatura [em
Matemática], alguns que estavam a um passo da sala de aula são de imediato
absorvidos por bancos ou pelo mercado financeiro”, exemplifica a diretora.
Segundo o estudo Atratividade da carreira docente no
Brasil,
publicado em 2009 pela Fundação Carlos Chagas, o momento atual é de jovens, com
embasamento bastante sólido, fugindo da função de mestre. A percepção dos
alunos é a de que o professor é um profissional relevante, que serve de modelo
ou exemplo a ser seguido, atua como formador de opinião e possui valor social,
mas é um profissional desvalorizado e desrespeitado por alunos, sociedade e
governos.
A
pesquisa foi realizada em 18 escolas públicas e particulares, em oito cidades
de grande ou médio porte nas cinco regiões do País: Campo Grande (MS), Curitiba
(PR), Feira de Santana (BA), Fortaleza (CE), Joinville (SC), Manaus (AM), São
Paulo (SP) e Taubaté (SP). Em cada escola, foram montados grupos de discussão
com 10 alunos (193 jovens no total) e foram distribuídos questionários para
todos os alunos do 3º ano do ensino médio, totalizando 1.501 respostas. De
todos os participantes, 67% sequer consideraram a hipótese de seguir a carreira
docente. Entre os 9% que escolheram disciplinas específicas do ensino
fundamental II ou do ensino médio para a sua formação universitária, 52%
declararam ter pensado em ser docentes e 39% querem ser professores. Nas
escolas públicas, a diferença entre os que pensaram e os que querem a carreira
é de 14% (de 53% para 37%, respectivamente), enquanto nas particulares,
ambientes mais controlados, há apenas uma variação de 51% para 50%.
Segundo o
relatório final da pesquisa, os jovens que pensaram em ser professores e
desistiram apontam a baixa remuneração como o fator decisivo para a escolha.
Alguns alunos acreditam até que a profissão de docente está fadada ao
desaparecimento. No entanto, é uma possibilidade considerada menos chocante se
realizada complementarmente, de forma secundária, concomitantemente a outra
atividade profissional ou quando já tiver estabilidade financeira.
Desafios
O físico
e professor Luís Carlos de Menezes, do Conselho Técnico-científico da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para
Educação Básica, atua há décadas na formação de professores. Para ele, a
carreira tem que ser remodelada para ser atrativa, mas também é repleta de
alternativas e desafios que precisam ser mostrados ao jovem. “Não devemos convidar
o futuro professor para reproduzir o mundo, mas para mudar o mundo com o jovem
que está com um problema no seu futuro: quais serão as profissões daqui a 20
anos, com as novas tecnologias? O que será do Direito, do Jornalismo, da
docência, do pedreiro? Ser educador é um desafio imenso, é educar para o
desconhecido, ensinar as pessoas a ser capazes de se reinventarem, olharem para
a realidade aprendendo novamente. Pode-se estimular novos professores pelo
tamanho do desafio”, defende.
Para
Menezes, outra forma de atrair o jovem é focar no dinamismo que a carreira
oferecerá futuramente. Um docente de Artes, que possui atividades fora da sala
de aula, por exemplo, pode ter na docência uma retaguarda para desenvolver suas
habilidades artísticas no mundo exterior aos muros da escola. “É um ofício que
permite trabalhar com a juventude, novos fazeres, construir o futuro. O
professor é alguém que pode ser autor, produzir conhecimento. É muito
desafiador”, considera.
O maior
desafio, no entanto, é a atuação nas fronteiras sociais. Apesar da diversidade
das condições de trabalho, Menezes acredita que o trabalho em que as condições
de vida são mais precárias para a população torna o professor um construtor do
futuro. “Nas manifestações deste ano, a palavra mais sinalizada foi educação,
dando visibilidade à função do professor. A primeira coisa a ser dita para o
professor é que ele é importante, que a educação não é apenas mais um serviço,
mas que é a construção de uma nação. A escola é o local onde a criança encontra
pela primeira vez a sua nação, quando ela é recebida em um [ambiente] coletivo,
reconhecida como pessoa pela sociedade. Quando alguém escolhe ser professor,
escolhe ser construtor do País. É uma função de vocação social”, define.
A
abordagem proposta por Menezes não ignora o fato da inexistência de uma
carreira que mantenha o profissional em sala de aula, com o aperfeiçoamento e o
reconhecimento social e salarial. Há, atualmente, alternativas individuais que
visam traçar um trajeto de carreira que permita conseguir melhores empregos,
como em escolas de alto desempenho, instituições confessionais ou ensino
superior. “Não pode haver uma atitude passiva e estática. Sempre buscar
formação permanente, mestrado, mestrado profissionalizante ou doutorado não são
apenas qualificadores do desempenho, mas também da remuneração e do projeto de
vida e carreira”, recomenda.
Mesmo com
todos os problemas universalizados na educação brasileira, Menezes avalia que
há uma variedade muito grande de condições de trabalho para os dois milhões de
professores que atendem em torno de 50 milhões de estudantes no ensino básico,
em todo o País, e que permitem a muitos ter satisfação no trabalho. “Não existe
uma condição mediana clara deste professor. Há algumas coisas na carreira que são,
em média, muito pouco atraentes. A sugestão de longo prazo é colocar
escalonamentos que permitam ao profissional enxergar progressão, o que
resultaria em mais estímulo ao jovem. A criação de uma carreira com desempenhos
e funções diferentes pode ajudar. O professor mais experiente pode ter uma
função de formador de docentes dentro da escola, com uma corremuneração vinda
do aparelho formador, por exemplo”, sugere.
Escrito
por Fabio Venturini