O modelo escolar está em crise. A estrutura
monolítica criada para satisfazer às demandas de uma economia industrial se
tornou obsoleta e hoje se debate para permanecer ativa e relevante em um
contexto social que, embora valorize a Educação como direito e patrimônio, não
suporta a ideia de aulas longas e monótonas nem vê muito valor em diplomas. A
maioria dos professores está sobrecarregada, mal-remunerada e desmotivada, sem
plano de carreira que valorize o aprendizado e a relação com a classe.
Processos comerciais travestidos de “metodologias de ensino” padronizam
disciplinas e avaliações, transformando muitas instituições em centros de
adestramento, preparatórios para determinados exames ou necessidades
operacionais do mercado.
Mesmo as instituições que apresentam bom desempenho
em classificações tem uma enorme dificuldade em prender a atenção de seus
alunos ou prepará-los para os desafios de um ambiente dinâmico, interativo e
conectado. A educação em lotes que dirige mensagens entediantes, genéricas e
repetitivas a massas de alunos é incapaz de vencer o conteúdo piscante e
colorido de notebooks, tablets e dos onipresentes celulares. Não há biblioteca
mais conectada e abrangente do que o Google, nem educador que saiba mais do que
está na rede.
E nem é preciso haver. A ideia de um professor
sabe-tudo, que traz o conhecimento pronto e empacotado para o aluno (do Latim, aquele
“sem luz”) é uma distorção surgida com a Revolução Industrial. Antes dela, e em
qualquer sociedade primitiva que nunca tenha visto uma sala de aula, o que
sempre houve foi um ensino individualizado, focado na resolução de problemas.
Cabia ao aprendiz a identificação de novidades e crises, trazidas para
consideração de seus mestres, em um processo contínuo de crescimento e
avaliação mútuos.
Até o começo do século 21 não havia tempo nem
recursos disponíveis para esse tipo de aprendizado, que acabava restrito às
orientações de elite das grandes universidades e centros de pesquisa. A
Internet e as tecnologias digitais permitem a recuperação dessa forma milenar
de ensino. Mas para isso é preciso reestruturar a Educação.
Um dos primeiros passos para a mudança é
compreender que escolas, como as conhecemos, não foram feitas para a educação
global. Sempre haverá mais demanda do que oferta, sempre haverá Einsteins que
deram o azar de nascerem na Tanzânia. Nessas condições não adianta estabelecer
cotas, lotar classes ou sobrecarregar professores com aulas porque isso não vai
melhorar a qualidade do ensino. Nem é possível enganar alunos com a promessa de
um aprendizado mágico, no melhor estilo das receitas de auto-ajuda. O que é
fundamental é levar o conhecimento estruturado para a Internet, tirando de cada
novo console digital seu valor educacional.
Várias tecnologias existentes hoje podem ter
aplicações didáticas. Videogames podem ser usados como ambientes de simulação e
compreensão de múltiplas variáveis, estimulando a tomada rápida de decisões.
Sensores de biometria podem ser aplicados na Educação Física e esportes. Dados
de GPS estimulam o ensino de ciências sociais e o estudo de dinâmicas
populacionais. Tablets substituem vídeos e livros didáticos, agregando a eles
componentes interativos. Serviços de Computação em Nuvem facilitam a sincronia
de trabalhos em grupo e a organização de bibliotecas de referência. Circuitos
eletrônicos como Arduino ajudam a compreensão do funcionamento de máquinas.
Smartphones integram a escola à dinâmica social, registrando tarefas de campo,
seminários e visitas técnicas. Repositórios de vídeo podem conter bibliotecas
de aulas e documentários e referência. Simuladores podem ajudar na compreensão
de situações complexas e dinâmicas como o relacionamento pessoal, a operação de
máquinas complexas, intervenções cirúrgicas, administração de empresas ou
cidades. Câmaras facilitam a coleta e o compartilhamento de informações. E
assim por diante.
Nenhuma tecnologia, no entanto, é poderosa o
suficiente para mudar um sistema tão tradicional. Para complementá-las, uma
nova metodologia de ensino pode ser desenvolvida tendo a Internet como base.
Seu programa de curso não se basearia em palestras monolíticas voltadas para um
público médio, mas fragmentaria o conteúdo em um conjunto de módulos curtos e
complementares, que permitissem vários pontos de conexão. Pequenas avaliações
podem estar embutidas nos vídeos, com perguntas de interpretação do conteúdo ou
até questões mais complexas, a serem corrigidas por especialistas remotos.
Tal prática poderia reformular a carreira de
professor, habilitando muitos especialistas a seguirem carreiras de aprendizado
contínuo, que começariam com a monitoria de aulas e atendimento a dúvidas,
passariam pela correção de provas e por elaboração de programas até chegar à
elaboração de material didático. Os mais extrovertidos poderiam até dar aulas
para o vídeo ou fazer workshops em eventos. Todas as funções seriam
proporcionalmente importantes, remuneradas pelo esforço empregado.
Nesse método cada estudante poderia determinar o
conteúdo que desejasse aprender e interagir com ele da forma e no local que lhe
fosse mais adequado, seja em casa, na hora do almoço, fazendo ginástica ou no
transporte público. Aquele que tiver maior preparo ou habilidade poderia ir
direto para níveis avançados ou se especializar em determinadas aplicações,
enquanto quem tem deficiências de conhecimento ou aprendizado poderia progredir
de acordo com suas possibilidades e capacidades. A nota final poderia levar em
conta a auto-avaliação, dados de frequência e produtividade gerados pelo
sistema e notas diversas dadas pela rede social que se formasse em torno do
conteúdo, removendo parte de sua subjetividade.
Por não enfrentarem os limites físicos de locais ou
horários, processos assim poderiam tornar a experiência didática algo
verdadeiramente universal, acessível a qualquer pessoa conectada à rede, mesmo
que por tempo limitado, o suficiente para descarregar a aula em seu aparelho ou
para enviar sua prova. Disponíveis gratuitamente ou a custos baixíssimos,
poderiam acabar com a ideia que ainda se tem da Escola como o fim de um
processo, transformando-a no que deveria ser, o início de uma relação tão
frutífera quanto infinita.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo
– Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de
Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já
foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é
consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente
Médio. Autor do livro “Enciclopédia da Nuvem”, em que analisa 550 ferramentas e
serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute
e analisa as principais tendências da tecnologia.